Estudos na área da genética evoluíram ao longo do século XX. Inicialmente o foco estava principalmente no diagnóstico de síndromes dismórficas/cromossopatias e erros inatos do metabolismo, além do aconselhamento genético visando aspectos reprodutivos. No Brasil, a genética médica foi reconhecida como especialidade médica apenas em 1983.

A oncogenética é uma área relativamente nova da genética médica. O projeto genoma na década de 90 contribuiu para a efervescência dessa área, abrindo as portas para a nova era molecular. Muitos projetos e consórcios multi-institucionais foram criados a partir desta iniciativa. Por exemplo, o projeto “1000 Genomes” catalogou variantes genéticas do genoma humano, “The Cancer Genome Atlas” descreveu as mutações envolvidas na carcinogênese de diferentes subtipos tumorais. O conhecimento gerado por meio destes projetos proporcionou um crescimento exponencial no entendimento de todas as etapas da carcinogênese.

Atualmente temos dois pólos principais de atuação da oncogenética: a identificação de síndromes genéticas de predisposição ao câncer e a medicina de precisão voltada para o tratamento oncológico. Ambos são importantes, um como marcador de aumento de risco em relação ao risco populacional e o outro como marcador de prognóstico e responsividade a certas terapias.

Sabemos que a grande maioria dos casos de câncer estão associados a fatores ambientais, tais como tabaco, radiação ionizante, radiação ultravioleta, vírus, dentre outros. Mutações genéticas adquiridas em determinada população de células devido fatores ambientais e erros na divisão celular são essenciais para o processo de carcinogênese. No entanto, cerca de 5-10% dos cânceres ocorrem no contexto de uma síndrome genética de predisposição ao câncer, isto é, um indivíduo que já nasce com uma mutação (mutação germinativa) em gene supressor de tumor, em gene de reparo do DNA, ou em proto-oncogene e com isso apresenta maior risco de acumular outras mutações ao longo da vida (mutações somáticas). A identificação destes indivíduos é fundamental para que medidas preventivas personalizadas sejam instituídas (prevenção primária e secundária), pois o risco de câncer geralmente é pelo menos 3-5x maior que o da população, é comum o acometimento em idades jovens e o desenvolvimento de tumores não incluídos na vigilância populacional. Mais de 50 síndromes genéticas de predisposição ao câncer associadas a diferentes genes já foram descritas.

A maioria destas síndromes tem padrão de herança autossômico dominante, e com isso observamos vários familiares acometidos em diversas gerações. Por este motivo, questionar sobre a história familiar é algo importante. Casos de câncer em idade mais jovem do que o esperado na população (ex: câncer de mama ou colorretal abaixo dos 50 anos), casos de câncer raro (ex: ovário de origem epitelial, câncer medular de tireóide, câncer de mama em homens), indivíduos com mais de um tumor primário, ou vários familiares acometidos, são alguns exemplos de indicação para aconselhamento genético e provável testagem genética germinativa.

Em relação ao tratamento oncológico, muitos avanços aconteceram tanto para portadores de síndromes como para indivíduos que o tumor tenha adquirido mutações em genes que participam de vias candidatas a terapias alvo. Por exemplo, tumores com mutações germinativas ou estritamente somáticas em genes da via de reparo do mal pareamento do DNA (mismatch repair) apresentam maior carga mutacional e são mais imunogênicos o que os torna bons respondedores à imunoterapia, mesmo no cenário metastático.  Outro exemplo seria o caso de tumores com mutações em genes da via de reparo por recombinação homóloga que podem ser candidatos a terapia com inibidores de PARP.

Acredito que estejamos escrevendo a história da oncogenética e que ainda teremos muitos capítulos nessa história.