Adriano Gonçalves e Silva, MD
Desde o século XIX, quando foi primeiro imaginado que vacinas poderiam tratar câncer, a imunoterapia passou a ser um grande enigma da oncologia. Em 1976, com a primeira descrição do uso de BCG para tratamento de câncer de bexiga, iniciou-se a era do entusiasmo com subsequentes descobertas de anticorpos monoclonais e respostas adaptativas das células T. Do final dos anos 80 e os anos 90 vivenciamos a aprovação das citoquinas (IL-2 e IFN) e tivemos a era do ceticismo com muitas dúvidas em relação ao seus reais benefícios e toxicidades. Já o século XXI entrou como a era do renascimento da imunoterapia, com aprovações de anticorpos monoclonais, vacinas e inibidores de checkpoints para o tratamento de diversos cânceres.
Nos últimos anos tivemos uma avalanche de estudos e aprovações de imunoterapias para tratamento oncológico. No câncer de próstata apesar da aprovação nos EUA do sipuleucel-T e de publicações de inibidores de checkpoints, os avanços são poucos. O câncer de próstata é tido como um tumor frio, com um microambiente imunossupressor, e diversos estudos vem tentando enriquecer a resposta imunológica intratumoral.
Embora o estudo IMPACT tenha sido controverso devido as terapias subsequentes e a falta de benefício em desfechos clinicamente significativos como resposta bioquímica, tempo para quimioterapia ou novos agentes hormonais e aparecimento de sintomas como dor, ele demonstrou benefício de sobrevida global de 4,1 meses absolutos com uma redução do risco de morte de 22%1. Estes dados geraram aprovação pelo FDA. Porém a dificuldade logística de uma vacina celular autóloga que depende de uma coleta, produção e infusão em 72 horas limitou o seu uso clínico e raramente vem sendo usada não só no Brasil como no mundo. Outra decepção foi a Prostavac, vacina de PSA com poxvírus desenvolvida com reforços mensais falhou no estudo de fase III apesar de demonstrar benefícios pontuais em estudos iniciais2. Com isso, o papel real das vacinas em câncer de próstata ainda precisa ser melhor trabalhado, seja no cenário neoadjuvante ou em combinação com inibidores de checkpoint.
Com a chegada dos inibidores de checkpoints, tanto de CTLA4 como PD1/PDL1, gerou-se grande expectativa, principalmente após estudos em modelos animais. Em 2012, o estudo CA184-043 randomizou pacientes com câncer de próstata resistente à castração metastáticos (CPRCm) já tratados com docetaxel e após radioterapia em lesões ósseas a receber 4 doses iniciais de ipilimumabe 10mg/kg a cada 3 semanas, seguidos de manutenção a cada 3 meses ou placebo3. O estudo foi negativo para seu desfecho primário de sobrevida global, HR=0,84, embora os dados de SG em 3 anos sejam interessantes (12% e 6%) e de sobrevida livre de progressão com um HR de 0,70, p<0,0001. Da mesma forma o estudo CA184-095 randomizou paciente com CPRCm pré-docetaxel, mas também falhou no seu desfecho primário de sobrevida global, mas com aparente benefício em outros desfechos como resposta de PSA, tempo para outro tratamento (quimioterapia ou novos agentes hormonais) e sobrevida livre de progressão4. Em análise posterior destes estudos, pacientes de melhor prognóstico, ou seja, sem doença visceral, fosfatase alcalina normal e hemoglobina acima de 10mg/dl, parecem se beneficiar mais, porém devemos aguardar validação em estudos prospectivos.
Os primeiros estudos em tumores sólidos dos inibidores de PD1/PDL1 foram desanimadores, já que nenhum paciente com câncer de próstata demonstrou resposta. Posteriormente, dois estudos de fase II demonstraram resposta de PSA em torno de 18%. Em ambos, inclusive o Keynote-028, alguns pacientes apresentaram respostas profundas e duradouras, com duração de resposta média de 13,4 meses5. Estes dados estimularam o estudo Keynote-199 com 5 coortes baseadas na expressão de PDL-1, presença de doença mensurável por RECIST e tratamento concomitante com enzalutamida6. Redução do PSA foi vista em 19% dos pacientes e redução acima de 50% em 11% dos pacientes. Resposta por RECIST foi vista em aproximadamente 5% dos casos. Nos pacientes em uso concomitante de enzalutamida, a redução de PSA foi vista em 14% e resposta objetiva em 12%, confirmando a hipótese de que a exposição e resistência ao novo anti-androgênico pode aumentar a expressão de PDL-1, aumentando a eficácia. Em uma apresentação interessante na ASCO 2020, Antonarakis demonstrou que na análise de biomarcadores do Keynote-199, TMB (tumor mutation burden) e CPS (combined positive score) podem ser utilizados para selecionar pacientes em estudos futuros. Também em 2020, o estudo Imbassador 150 em pacientes com CPRCm falhou em demonstrar benefício da combinação de atezolizumabe com enzalutamida7.
Por fim, a combinação de ipilimumabe e nivolumabe pareceu promissora no estudo Checkmate-650 com respostas de PSA de 14% e por RECIST de 17%, sugerindo um benefício maior em pacientes com alto TMB ou com alterações de enzimas de reparo de DNA8. Outra população que pode demonstrar maior benefício são os pacientes com AR-V7. Mostrando que a identificação de biomarcadores pode ser determinante na seleção de pacientes para estudos futuros.
Além dos inibidores de checkpoint, o futuro da imunoterapia em câncer de próstata e em oncologia no geral está apenas começando. Os BiTEs (biospecific T-cell engagers) que unem a célula tumoral ao linfócito T através de duas porções Fc “amarradas” por um linker pode facilitar a ação citotóxica nas células tumorais. Outra promessa é a utilização de CART-cell, principalmente utilizando PSMA como antígeno específico para câncer de próstata. Enfim, imunoterapia em tumores de próstata ainda precisa estabelecer seu papel além da aprovação agnóstica do FDA para pacientes com alto TMB ou instabilidade de microssatélite. Mesmo assim, pacientes e médicos devem ser encorajados a participar dos diversos estudos abertos no Brasil com inibidores de checkpoint na doença inicial ou metastática, seja ela hormônio sensível ou resistente.
REFERÊNCIAS:
1. Kantoff PW, Higano CS, Shore ND, et al. Sipuleucel-T immunotherapy for castration resistant prostate cancer. N Engl J Med 2010, 363, 411-422.
2. Gulley JL, Borre M, Vodelzan NJ, et al. Phase III trial of PROSTAVAC in asymptomatic or minimally symptomatic metastatic castration-resistant prostate cancer. J Clin Oncol 2019; 37, 1051-1061.
3. Kwon ED, Drake CG, Scher HI, et al. Ipilimumab versus placebo after radiotherapy in patients with metastatic castration resistant prostate cancer that had progressed after docetaxel chemotherapy (CA184-043): a multicenter, randomized, double-blind, phase 3 trial, Lancet Oncol 2014, 15; 700-712.
4. Beer TM, Kwon ED, Drake CG, et al. Randomised, double-blind, phase III Trial of ipilimumab versus placebo in asymptomatic or minimaly symptomatic patients with metastatic chemotherapy naïve castration resistant prostate cancer. J Clin Oncol 2017, 35: 40-47.
5. Hansen AR, Massard C, Ott PA, et al. Pembrolizumab for advancer prostate adenocarcinoma: findings of the KEYNOTE-028 study. Ann Oncol 2018, 29: 1807-1813.
6. Antonarakis ES, Piulats JM, Gross-Goupil M, et al. Pembrolizumab for treatment-refractory metastatic castration resistant prostate cancer: multicohort, open label phase II KEYNOTE-199 study. J Clin Oncol 2020, 38: 395-405.
7. Sweeny C, Gillesen S, Rathkopf D, et al. IMbassador 250: a phase III trial comparing atezolizumabe with enzalutamide vs enzalutamide alone in patients with metastatic castration resistant prostate cancer. In proceedings of the American Association for Cancer Research Virtual Meeting, 27-28 April 2020 part I.
8. Sharma P, Pachynski RK, Narayan V, et al. Initial results from the phase II study of Nivolumab (NIVO) plus Ipilimumab (IPI) for the treatment of metastatic castration resistant prostate cancer (mCRPC; Chackmate-650). J Clin Oncol 2019, 37: 142.