Há aproximadamente 20 anos atrás, eu me apaixonava pela oncologia. Como um mero estudante do segundo grau, imaginava ser neurocirurgião, mas os primeiros anos na faculdade de medicina da UFPR foram me moldando. Inicialmente, pela propedêutica, depois pelos diagnósticos desafiadores da clínica médica, para finalmente, me encantar com a história de uma mulher, que ao receber a notícia de que seu exame de gravidez não só estava errado, como a diagnosticara com tumor metastático. Acompanhar seu tratamento até o fim foi encantador. Imaginar que uma simples combinação de medicamentos teria curado tamanha tristeza. Nessa época, câncer era tratado com citotóxicos, quimioterapia. Hormonioterapias eram opções para tumores de mama ou próstata. Com o tempo, algo novo surgia, e despertava o oncologista dentro de mim. Leucemias estavam sendo tratadas com comprimidos. Câncer de mama deveria ser testado para um tal de c-erb ou HER-2. Era o inicio de uma nova era, a era das terapias alvo!

De lá para cá muito se aprendeu sobre oncogênese e todos os seus mecanismos. Dos genes supressores tumorais aos mecanismos de metástases, das transição mesenquimo-epitelial às vias de angiogênese e das cascatas de tirosina quinase às imunoterapias modernas. Foi deste conhecimento que a oncologia evoluiu e o maior exemplo desta evolução é o câncer de pulmão. Em 2002 a sobrevida média destes pacientes com doença disseminada era de menos de 10 meses. Hoje, graças a estes avanços, temos subgrupos de pacientes vivendo talvez uma década com doença metastática. Isso fez com que a análise molecular de câncer de pulmão não-pequenas células fosse quase que obrigatória antes da decisão terapêutica. Mutações, fusões e hiperexpressões são preditores de resposta e prognósticos quando encontrados em genes como EGFR, ALK, ROS, BRAF, RET, NTRK, RAS, MET, HER-2 (sim, aquele mesmo do câncer de mama na década de 90) e muitos outros por vir. Outros tumores também ganharam opções terapêuticas com as famosas terapias alvo, ou anti-tirosina quinases. Melanoma e a mutação de BRAF, cólon e as mutações de RAS e BRAF, tumores femininos e de próstata com mutações de BRCA, tumores uroteliais e FGFR, são apenas alguns outros exemplos. Isso tudo torna possível a visão de que tumores se diferenciem não pelo seu órgão de origem, e sim pela sua assinatura genética. Na década de 80, fusões a um gene, NTRK, responsável pelo desenvolvimento neuronal, foram encontradas em diferentes neoplasias, desde tumores pediátricos a raros tumores de glândulas salivares e sarcomas. E no início do século XXI, terapias anti-TRK foram capazes de regredir tais tumores com sucesso. Com isso, terminamos os anos 10 e abrimos os anos 20, com a terapia agnóstica crescendo dentro da oncologia. Tratar tumores baseado na sua característica molecular e não na sua topografia. Manipular o sistema imune baseado na carga mutacional que o tumor carrega ou na expressão de proteínas.

Reconhecendo este avanço da ciência, a agência regulatória americana, o FDA, aprovou alguns tratamentos agnósticos nos últimos anos. Inibidores de checkpoints para tratar tumores com instabilidade de microssatélites ou com alta carga tumoral e inibidores de NTRK para tumores com fusões independentemente da sua origem. No Brasil, talvez essa realidade ainda esteja longe da maioria dos pacientes, mas aos poucos chegaremos lá. Com uma política de acesso adequada a testes e drogas, com avaliações fármaco-econômicas sustentáveis na utilização de recursos isso será possível. Para que em mais 20 anos, a dor do diagnóstico de câncer não seja tão dolorida como no século passado.