No fim de 2019 um surto de pneumonia em uma cidade da China chamou a atenção do mundo. Surgia assim o maior desafio médico e sanitário que o mundo enfrentaria em toda sua história: a infecção pelo coronavírus 2 (SARS-CoV-2), a COVID-19. O rápido crescimento de novos casos em escala global levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a COVID-19 como pandemia. Tão rápido quanto a disseminação da doença, nossas vidas mudaram. Escolas, comércios, igrejas, clubes e academias fecharam. Eventos culturais, encontros e congressos de diversas áreas de atuações e eventos esportivos cancelados. O trabalho presencial rapidamente se transformou em “home office” e as atividades educacionais presenciais se transformaram em “home school”.
Como esperado, essas mudanças também ocorreram na área da saúde. Procedimentos eletivos como exames e cirurgias foram adiados ou cancelados. Várias especialidades médicas também fecharam temporariamente os consultórios e adiaram ou cancelaram os atendimentos eletivos. Dessa maneira, a maioria dos atendimentos e procedimentos médicos acabaram se limitando a urgências e/ou emergências médicas. Porém, devido a gravidade da doença oncológica e necessidade de tratamento precoce e por vezes crônico para erradicação ou controle da doença, a oncologia foi uma das especialidades na qual essas mudanças não ocorreram dessa forma. Os serviços de atendimento oncológico permaneceram funcionando e a maioria dos procedimentos como quimioterapia e radioterapia continuaram acontecendo. Mesmo assim, o que aconteceu de maneira geral foi uma redução nos atendimentos de casos novos com diagnóstico recente de câncer. Isso provavelmente é consequência dos adiamentos e cancelamentos dos exames e procedimentos eletivos citados anteriormente. Dessa maneira acredita-se que nos próximos meses poderá ocorrer um aumento do diagnostico de câncer em estágios mais avançados e também da mortalidade por câncer. Isso ficou evidente em recente publicação da Lancet Oncology que estimou para a população do Reino Unido um aumento da mortalidade por câncer de mama, colorreto, pulmão e esôfago da ordem de 9.6, 16.6, 5.3 e 6%, respectivamente(1).
Nesse contexto, outra preocupação da comunidade oncológica mundial é em relação ao questionamento e pedido dos pacientes para adiar tratamentos oncológicos sistêmicos como quimioterapia e imunoterapia. Isso se deve a preocupação legitima dos pacientes de possível imunossupressão causada pelos tratamentos e consequentemente maior risco de complicações e mortalidade pela COVID-19. Porém, um estudo prospectivo observacional publicado na Lancet demonstrou o contrário. Nesse estudo, 800 pacientes com diversos tipo de câncer e diagnóstico confirmado de COVID-19, não se observou aumento da mortalidade nos pacientes que estavam em tratamento quimioterápico (HR=1.18; p=0.380)(2).
Dessa maneira, para minimizar os riscos de contaminação pelo COVID-19 nos pacientes oncológicos em tratamento ou que vão iniciar o tratamento e possíveis atrasos ou suspensão dos tratamentos, um painel de especialistas da Sociedade Americana de Oncologia (ASCO) elaborou um protocolo com diversas orientações quanto ao funcionamento das unidades de oncologia, cuidados, triagem e testes dos pacientes e da equipe de profissionais de saúde. Esse protocolo está disponível nos sites: https://www.asco.org/sites/new-www.asco.org/files/content-files/2020-ASCO-Guide-Cancer-COVID19.pdf (versão em inglês) e https://sboc.org.br/images/pdf/GUIA_ASCO_COVID.pdf (versão em português).
Referências
- Maringe C, Spicer J, Morris M, Purushotham A, Nolte E, Sullivan R, et al. The impact of the COVID-19 pandemic on cancer deaths due to delays in diagnosis in England, UK: a national, population-based, modelling study. The Lancet Oncology.
- Lee LYW, Cazier JB, Starkey T, Turnbull CD, Kerr R, Middleton G. COVID-19 mortality in patients with cancer on chemotherapy or other anticancer treatments: a prospective cohort study. Lancet. 2020;395(10241):1919-26.