Durante a formação médica, adquirir informação sobre uma doença ou tratamento dependia da dedicação aos estudos em livros-texto. Ajudava muito ter um bom professor, um mestre que dividia sua experiência de forma didática e com sabedoria.

No entanto, esse conhecimento básico traz apenas uma visão geral sobre o problema de saúde de um paciente. Para seguir como especialista em um assunto, para tomar uma decisão acertada quando em frente ao sofrimento de uma pessoa, é necessário muito mais. Atualização constante, em tempo real, não dependente de professores ou líderes de opinião. Assim, manter-se especialista demanda tempo disponível, e principalmente métodos adequados de estudo.

O conhecimento e a adequada aplicação do método científico fizeram a medicina dar um salto fenomenal nas últimas décadas. Em oncologia, foi possível o diagnóstico dos incontáveis tipos diferentes de câncer. E mais importante, identificar tratamentos específicos para grande parte deles, com ganhos em eficácia e eficiência, traduzidos em aumento da expectativa de vida, além de melhor qualidade de vida.

Utilizando métodos sistemáticos também para atualização, um bom especialista deve primeiro saber fazer uma pergunta adequada, que pode ser respondida de forma científica. É importante traduzir a dúvida do paciente para uma questão respondível por estudos clínicos. Depois, deve saber buscar a informação mais confiável, com menos chance de erros (ou viés). E posteriormente, fundamental é saber aplicar as informações advindas dos estudos clínicos, as evidências, a cada paciente individualmente, após considerar preferências e valores individuais, além dos custos e dificuldades com acesso à tecnologia ou medicamento.

Até junho de 2020 tínhamos mais de 4 milhões de artigos publicados sobre câncer, no PubMed, a base de dados científica mais importante mundialmente. Mais de 200.000 só no último ano. Impossível ler todos os artigos, obviamente. Por isso a busca de respostas a perguntas relevantes e diretas é tão importante.

Encontrar a evidência mais confiável, e interpretar corretamente riscos e benefícios é uma habilidade médica notável, e às vezes menosprezada. Mas que pode ser aprendida e desenvolvida. Para não se fundamentar apenas em opiniões, compreender bioestatística passa a ser imprescindível. É necessário compreender que impressões pessoais e experiências individuais não substituem a análise adequada de dados estatísticos.

Especialmente a oncologia evolui a passos firmes e seguros, mas às vezes com ganhos limitados. Um benefício absoluto de 10% no número de pacientes vivos em 5 anos pode ser considerado clinicamente importante. Mas seria impossível observar esse benefício apenas com observação da experiência própria. Por outro lado, muitos erros metodológicos podem inflacionar os benefícios e minimizar os riscos em um estudo clínico. Como a evolução da tecnologia é acompanhada também pelo aumento dos custos, a utilização de novas tecnologias de forma precipitada ou inconsequente pode levar a gastos irracionais, e ao questionamento da sustentabilidade dos sistemas de saúde.

Atualmente, vivemos uma época perigosa, de pensamentos anti-científicos, e que facilitam a busca por uma cura mágica das doenças, sem bases em evidências confiáveis. No entanto, o problema maior não são as fantasias que parecem mesmo absurdas (como fosfoetanolamida ou ozonioterapia). Mas sim a supervalorização de tratamentos fúteis, o superdiagnóstico e o supertratamento.

Aplicar mal a evidência é ainda pior do que não conhece-la.