Igor Morbeck

Oncologista Clínico

Hospital Sírio Libanês Brasília

Universidade Católica de Brasília

 

Bruno Wance

Oncologista Clínico

Hospital Sírio Libanês Brasília

Hospital de Base do Distrito Federal

 

A capacidade de processamento computacional e a quantidade disponível de dados digitais vêm sofrendo há décadas aumentos constantes e exponenciais, permitindo a sofisticação de algoritmos de inteligência artificial e das tarefas por eles realizadas. Alguns autores consideram que estamos vivenciando a segunda era das máquinas: a primeira, ocorrida durante a revolução industrial, revolucionou os sistemas de força; a segunda está revolucionando nossos sistemas de controle.

Toda revolução traz grande impacto para a sociedade, e no setor de saúde não está sendo diferente. Big data, transformação digital, algoritmos e inteligência artificial são hoje expressões cada vez mais ouvidas nos corredores de clínicas e hospitais (e certamente nas salas virtuais que se multiplicaram durante a pandemia).

Algumas promessas da digitalização no meio médico são: o aumento da capacidade diagnóstica e da produtividade, com consequente diminuição dos custos em saúde. Além da eficiência na prescrição de tratamentos. Outro aspecto importante será o impacto dessa revolução sobre os novos requisitos necessários para exercer o ofício da medicina.

Com supercomputadores no bolso, o acesso imediato à enorme quantidade de infomações, além do uso crescente de sistemas de suporte à tomada de decisão, praticar medicina se distancia cada vez mais da capacidade de memorizar uma série de reações bioquímicas ou relações anatômicas. Katie Knight, em artigo publicado no The British Medical Journal, questiona o ensino da medicina: “por que achamos que pessoas que conseguem lembrar grande quantidade de informações e reproduzi-las em testes, serão os melhores médicos?” A autora traz o argumento de que exercer a medicina na era digital se tornará ainda mais complexo, e envolverá a capacidade de analisar múltiplas evidências, por vezes conflitantes, e sintetizá-las de forma palatável e digerível para o paciente sentado à sua frente.

Seguindo o cada vez mais difundido racional de “recrutar por valores e treinar habilidades”, algumas escolas de medicina vêm modificando seu processo de admissão visando aumentar a diversidade entre os alunos e recrutar bons “futuros” médicos e não apenas bons estudantes. Uma pesquisa realizada pela McKinsey & Company demonstrou uma relação direta entre diversidade na força de trabalho e lucratividade, possivelmente relacionada à maior capacidade de inovação. Em saúde acontece algo ainda mais relevante: equipes diversas são culturalmente mais preparadas e capazes de criar confiança e oferecer representatividade aos pacientes, aspecto extremamente relevante frente à diminuição das fronteiras em um mundo cada vez mais globalizado. Os pacientes são extremamente diversos, por que os médicos não deveriam ser?

A medicina envolve sobretudo relações humanas e a inteligência emocional é no mínimo tão importante quanto o quociente de inteliência. Para se estabelecer uma relação médico-paciente é preciso criar confiança, e para isso empatia é tão importante quanto o raciocínio lógico.

Precisamos estar preparados para aproveitar a segunda era das máquinas, pois uma revolução não se faz com tecnologia, mas sim com o uso que as pessoas fazem dela. Os profissionais capazes de se adaptar rapidamente, de liderar, mas também assessorar e criar confiança através de autenticidade, lógica e empatia e que se sintam confortáveis com as ambiguidades inerentes dos seres humanos e do próprio saber científico: esses são os médicos que merecemos, afinal, somos todos pacientes.